segunda-feira, 23 de março de 2009
Vem buscar-me que não durmo
SUPER HOMEM D'ASAS D'ANJO
Entretanto, caminhos, caminhos sem cessar. Milhares de rotas, milhares e milhares e milhares de rotas, todas as possibilidades. Como escolher? Sem poder não há escolha. Sem escolha não há fim para onde se possa caminhar. O infinito estóico, heróico derrubou as vicissitudes do poder; amedrontou aqueles a quem se atribuí a força última e derradeira. Nos mortais, a quem sempre restou a esperança de serem salvos, reside agora a inevitável necessidade de auto-suficiência. Querem viver para sempre, querem a imortalidade, a força bruta e eterna. Conhecem o mito da pedra filosofal. Alguns têm o mapa que os conduz até lá, até à tão querida eternidade. Desconhecem o que os espera, desconhecem a malícia deste Deus ex-machina que descaracterizou o mundo: o profeta anunciou a vinda de um homem - quem sabe um herói - que nos resguardaria da desgraça. Pelo contrário, descaracterizou-se o homem e a comunidade, outrora fértil, vendeu as palavras a um diabrete mascarado de criança. Ficámos sem ter o que dizer em troca da eternidade. Foi esse o preço que restou para pagar.
Desde o dia do contrato, passaram 24 horas em que ninguém no mundo morreu. E no dia seguinte, serão 48 horas em que ninguém morrerá. E todos os dias que passarem serão mais 24 horas, até um dia serem anos, até outro dia ser a eternidade. O mundo estará cheio de gente enferma, de gente à beira da morte que nunca morrerá, de estropiados e de cegos que desejariam mais facilmente morrer do que viver para sempre. Nesse dia, o mundo será apenas um amontoado de outrora mortais combalidos pela desgraça. Isto tudo porque um dia, um dia há muitos anos atrás, os heróis trocaram as capas por umas asas; isto tudo porque um dia, um dia há muitos anos atrás, os homens quiseram brincar ao jogo da eternidade.
domingo, 22 de março de 2009
Tarifa: 1,40€
Era hoje que devia despedir-me de ti...
Desculpa se sou tão inábil.
Hoje é apenas o dia em que te anuncio a despedida.
Deseja-me uma boa viagem se puderes.
Não quero voltar atrás.
segunda-feira, 16 de março de 2009
Da aprendizagem
talvez seja mesmo,
mesmo necessário
que me ofereçam uns sapatos
para que eu possa finalmente
aprender a a andar.
Quando eu crescer
e tu cresceres,
haverá ainda rosas suficientes no mundo?
Lembro-me do dia em que aprendi a fazer arroz;
e só por isso era capaz de me casar contigo.
Puseram-me um carro na mão
e eu matei dois pássaros:
depois fui tirar a carta.
Ainda hoje não sei falar como as pessoas crescidas;
há sempre um assobio na minha voz
que lembra o tempo em que era pequena
e rosada.
Não sei dizer palavrões,
e não é por ser muito bem-educada.
Aprendi a andar de bicicleta
muito tarde
e nem por isso
deixei de pedalar à beira-mar.
O cheiro a praia
do teu pescoço ensinou-me
a esperar pelas ondas maiores
para mergulhar.
Parte I das pequenas histórias sobre a felicidade
***
Dia de piquenique. Três horas, a relva parecia reluzente e fresca; bastava passar o vento para que a cor ondulasse entre a discrição e a excentricidade. A toalha branca estava estendida, como se aquele fosse o seu lugar desde sempre e não outro para além daquele. O ruído abandonara há muito aquele local, fazendo questão de deixar suspenso apenas o som do Verão entre o assobio dos melros e o riso distante de três ou quatro crianças cujos pés estavam descalços. Dentro da cesta de verga, havia uma garrafa de vinho e algumas maçãs.
Quando o dia decide findar em tons de púrpura, o regresso a casa mostra-se inevitável, mesmo quando a vontade nos desafia a mais umas horas de conversa fiada. A travessia é geralmente solitária. Mas há dias, aqueles dias, em que o acaso transforma o regresso a casa no mais terno momento da jornada. Aqueles dias em que inesperadamente a viagem de comboio nos entrega um amigo como brinde.
O salão estava quase deserto. Três ou quatro luzes faziam sentir-se no meio do fumo. A música lembrava anos que não os de agora. Três mulheres sentadas, copos e cigarros na mão. A linguagem corporal correspondiam à deselegância de não saber o que fazer. Castiças! Bocas vermelhas e sem saber onde pôr as mãos. No fundo do salão uma cortina pesada de veludo vermelho escondia objectos velhos. De súbito, uma mulher e um homem acompanham, quais bailarinos de longa data, a fanfarra gravada e emitida por umas colunas de fraca qualidade. As três mulheres sentadas, ficam perdidas, em suma, deslumbradas pela visão do amor.
Os pais não estavam em casa e as desculpas para evitar aquele segundo em que o desejo atravessa a razão acabariam por se esgotar mais cedo ou mais tarde. Puxaram as cortinas até meio das janelas para que a sua viagem não fosse a perda de pudor dos vizinhos. Deixaram instalar a música do desconforto. Primeiro tiraram as camisolas e observaram-se como se aquela fosse a primeira vez. Em poucos minutos, não havia nada que lhes cobrisse os tenros corpos. A vergonha impediu-os de avançar até que as consequências fossem últimas. Sem pudor e sem falar, deram as mãos e adormeceram. O que havia para dizer, foi dito durante o sono.
O que havia de melhor nas suas idas ao teatro era esperar que todos saíssem da sala para que, por fim, ele pudesse ver toda a magia quebrar-se no escuro.
quarta-feira, 11 de março de 2009
Hino à desgraça: à boa memória de quem faz falta...
Muda de vida se tu não vives satisfeito
Muda de vida, estás sempre a tempo de mudar
Muda de vida, não deves viver contrafeito
Muda de vida, se há vida em ti a latejar
Ver-te sorrir eu nunca te vi
E a cantar, eu nunca te ouvi
Será de ti ou pensas que tens...que ser assim?...
Muda de vida se tu não vives satisfeito
Muda de vida, estás sempre a tempo de mudar
Muda de vida, não deves viver contrafeito
Muda de vida, se há vida em ti a latejar
Ver-te sorrir eu nunca te vi
E a cantar, eu nunca te ouvi
Será de ti ou pensas que tens... que ser assim?...
Olha que a vida não, não é nem deve ser
Como um castigo que tu terás que viver
Olha que a vida não, não é nem deve ser
Como um castigo que tu terás que viver
Muda de vida se tu não vives satisfeito
Muda de vida, estás sempre a tempo de mudar
Muda de vida, não deves viver contrafeito
Muda de vida, se há vida em ti a latejar
Muda de vida se tu não vives satisfeito
Muda de vida, estás sempre a tempo de mudar
Muda de vida, não deves viver contrafeito
Muda de vida, se há vida em ti a latejar
António Variações
domingo, 8 de março de 2009
Bombons
Como dava beijos lentos, duravam-lhe mais os amores.
Aquilo que define as mulheres é achar que todos os homens são iguais, enquanto que aquilo que perde os homens é achar que todas as mulheres são diferentes.
O relógio não existe nas horas felizes.
A água não tem memória: por isso é tão limpa.
Velho actor: deixou uma dentadura que declamava Shakespeare.
As rosas suicidam-se.
Aquela mulher olhou-me como se eu fosse um táxi livre.
Se ides à felicidade, levai sombrinha.