sábado, 31 de janeiro de 2009

As minhas verdades absolutas: pelo menos as de hoje...

Depois da tempestade, vem uma tempestade mais pequena.
Esperar é uma angústia.
Os grandes momentos criativos atingem-se nos grandes momentos de desequilíbrio interior: desejo-me menos criação e mais equilíbrio.
Começo a confirmar uma dúvida que sempre povoou o meu imaginário: sou uma boa candidata ao divã.
Aos quinze anos eu era mais feliz do que sou aos vinte.
Os meus desvarios épicos são cansativos.
O amor não existe: pelo menos o meu.
Não posso continuar a imaginar coisas que nunca vão acontecer.
Não posso fazer tanta força nos maxilares para não chorar.
Tenho uma amiga resistente a terramotos: aqui onde estou há vários.
Deus morreu; eu matei-o.
Preciso de roupa quente.
Quando for grande quero ter um Bando de...
Amanhã quero acordar mais leve.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

A origem da fé

A criança já tem vinte anos. Vinte anos em que recusou Deus, Evas, maçãs e Judas. Vinte anos tentando repudiar qualquer ideia de morte ou de continuidade para além do corpo. Quando era pequena e todos os meninos da escola foram baptizados, ela ficou em casa sem perceber porquê. Também não perguntou. Em casa, não havia dicionário de teologia, mas a criança viu muitas vezes em cima da mesa de cabeceira do pai O Manifesto Comunista do Karl Marx. Poucas coisas fizeram sentido na altura. Quando a criança amadureceu, como a maçã, descobriu que Deus, Cristianismo, Maria Madelana, Maomé, Natal, Páscoa, morte e ressurreição, vacas sagradas, reencaranação e budismo faziam parte de todo um hemisfério por desbravar. E mesmo quando a criança leu muito sobre todas as problemáticas, mesmo depois de ter ido a Fátima e de ter acendido uma vela pelo avô que nunca conhecera, mesmo depois de ter aprendido algumas rezas que decorava como lengas-lengas e mesmo depois de ter feito de ovelha no presépio de Natal da escola, a criança continuou sem perceber que coisa era aquela tão grande que movia tanta gente, e estranhamente a si própria. Entrou em muitas Igrejas, sentiu-se muitas vezes devorada pelo espaço, comovida pela luz que entrava pelas frestas centenárias das janelas. Um dia quando deixou de ser criança, fazia frio e era Inverno em Lisboa. Levava as mãos enlaçadas num homem que amou muito. Entraram na Igreja que em tempos fora devorada pelo incêndio e que assim permanecera, consumida pelo calor do fogo, sem mãos que a recuperassem. A criança que já não era uma criança, voltou a sentir-se tão criança como quando estava no útero da mãe que a gerou. O espaço que a derrubou e a tornou minúscula, trouxe-lhe à memória os traços do amigo que morrera quando tinha dezasseis anos, do avô, do outro avô. O coração rompia no peito como se a qualquer instante pudesse parar. A luz cinzenta colava-se aos lábios e num instante, nem sequer isso, milhares de mulheres cantavam nas paredes fazendo entoar ecos distantes. Sentiu-se esmagada. Deus aconteceu. E então, a criança descobriu que esse esmagamento que lhe apertava o peito, era somente a percepção de que a maçã gerou o amor entre os homens e de que os homens, na sua própria condição, são capazes de acreditar nos gestos, na linguagem, nas palavras. Aos vinte anos, a criança descobriu a fé: em Deus? Nos Homens? A sua fé de criança, a sua fé prematura diz-lhe que Deus foi uma invenção astuta dos seres humanos para poderem justificar a existência do amor.

As potencialidades do amor

Não há uma coisa que se faça por um ser (que se faça verdadeiramente) que não negue um outro. E quando não nos podemos resignar a negar os seres, há uma lei que nos esteriliza para sempre. De certo modo, amar um ser é matar todos os outros.

Albert Camus, in 'Cadernos'

domingo, 18 de janeiro de 2009

Os inesperados


Pablo Picasso, 1957, O piano

Ontem aprendi uma coisa sobre liberdade, ou livre arbítrio ou decisões.
Ainda não decidi...
Mas ontem aprendi uma coisa grande que me inquieta.
E depois acordei com o piano a fazer-me festas nas orelhas.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Sobre os relógios congelados pela frente fria

Levar-te à boca,
beber a água
mais funda do teu ser -

se a luz é tanta,
como se pode morrer?

Eugénio de Andrade

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

A Origem da Tragédia de Friedrish Nietzsche ou o dia mais quente do ano

Eu tinha um vestido amarelo e a certeza de que acabarias por chegar um dia. Era Verão e o calor fazia-me transpirar debaixo dos braços. Os pés inchavam sempre e as veias latejavam gordas entre os tendões e os ossos escondidos debaixo da pele. Sentia as pernas coladas uma à outra. Não me lembrava bem da tua cara. Lembrava-me antes do dia em que nos tínhamos conhecido: tu usavas uma camisa riscada vermelha e citavas Nietzsche. A tua voz era terna mesmo quando falavas de mortos e me descompunhas por ser tão saudosista. Contudo, o vestido amarelo que pusera naquele dia garantia-me que acabaria por reconhecer-te no meio das multidões, porque também naquela primeira noite em que falamos sobre a morte de Deus, eu senti o cheiro viril do teu pescoço que se entranhou na minha pele, ainda que a onda quente do Verão fizesse questão de lavar a tua memória com o suor dos poros e o desconforto das queimaduras.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Messiah, de Frederic Handel ou a história do menino que sabia voar

A criança nasceu com os dedos estranhamente grandes para a sua tenra idade. Cedo se percebeu que eram valiosíssimos, que seriam com certeza uns dedos férteis; uns dedos que trariam ao mundo a boa nova do desejo e do combate à inércia. Para além das mãos, cujos dedos eram particularmente especiais, a criança não mostrava sinais de demais interesse: pequena e nada redonda, como seria de esperar deste tipo de recém-nascidos, a criança era vulgar. Sem qualquer espécie de mau sentido: era simplesmente uma criança vulgar cujas mãos anunciavam uma incursão fantástica pelo desconhecido. Os anos passaram pela criança e, todos os dias, os seus finos dedos ganhavam extraordinárias formas de galhos compridos onde pousavam melros e alguns pardais, que com os seus pequenos bicos, deixavam cicatrizes de assobio, pequenas notas de música que faziam fervilhar as tenras veias, enchendo-as de fogo e canções de embalar. Esses anos, não foram porém de extraordinária mudança para a criança cujos dedos eram especiais: o menino manteve-se, como outrora, numa criança pequena e nada redonda. Contudo, sempre que olhava para as mãos, havia um deslumbramento que atravessava a sua normalidade: ele via, de verdade, centenas de pequenos pássaros pousando nos nós das suas mãos jovens e memorizava cada cicatriz, compondo pequenas àrias que tocava com os seus dedos num piano imaginário desenhado a lápis de cor na secretária. Quando voltava da escola, mochila às costas e lancheira na mão, o menino das mãos de ouro ficava largas horas sentado no seu piano de brincar, reproduzindo, dentro da sua pequena fantasia, todas as notas que a passarada deixara em cicatriz nos seus finos dedos. Mais anos passaram, maior se tornou o menino que não tendo um piano de verdade tocava no seu já velho piano de lápis de cor. Nunca ouvira uma nota verdadeira dos pianos que usam vestido de noite comprido e preto. Mas sabia exactamente ao que soavam essas notas e não tinha a menor dúvida das infinitas possibilidades que os seus dedos experimentavam mesmo num pedaço de madeira. O menino, viria a ser um extraordinario pianista. E quando não se esperava que fosse outra coisa senão um brilhante tocador de piano, o menino transformou-se num extraordinário homem: as cicatrizes deixadas pelos pássaros gravaram não só a memória das melodias, mas também as memórias de quem sabe voar. O menino soube voar. O homem soube voar, conheceu o sabor que tem o frio quando greta os lábios, ouviu poemas de amor sobre a sua nuca desnuda, tragou os lábios de uma mulher que acabára de beber vinho tinto, aprendeu os jogos dos meninos que vivem na rua. A criança vulgar era afinal um homem pássaro; um menino que tocava piano a lápis de cor.

Constatações

A minha adolescência tardia leva-me a concluir que a minha mãe é uma chata.

sábado, 3 de janeiro de 2009

Para impedir a escrita depressiva...

... mudei o luto do meu blog para um verde esperançoso.

Os cabelos presos nas tiras de tecido velho da feira da ladra

Lembro-mo dos dias em que tinha o cabelo comprido e enrolado em tiras de tecido compradas na Feira da Ladra aos sábados de manhã. A luz era sempre diferente nesses dias: havia um reflexo doloroso que nunca fugia das paredes brancas das igrejas, mas que ao mesmo tempo, iluminava a calçada gasta de Lisboa. No tempo em que o meu cabelo era comprido, ficava muitas horas a pensar no amor e nos amores e todos os dias descobria em mim um desejo íntimo e inocente de encontrar umas mãos que cobrissem as minhas. O meu cabelo era comprido, guardava-me as costas nuas e as omoplatas meio tortas pelo peso das mochilas onde carregava as minhas leituras. Cresciam pequenas casas, estradas, viadutos, jardins e gaiolas de pássaros no meu cabelo comprido. Uma pequena cidade desenhava-se entre os hemisférios do meu cérebro, fazendo com que criaturas do tamanho de átomos povoassem as pequenas casas meticulosamente decoradas e arranjadas como se a cidade fosse, de facto, verdadeira. Entre os milhares de fios compridos e castanhos nasciam crianças, houve muitas mulheres grávidas e partos nos hospitais, houve muitos homens dispostos a abdicar dos fatos e das gravatas para poderem amamentar os recém-nascidos. Havia velhos coxos, cegos, paralíticos que às vezes tinham AVC's, tromboses e ataques cardíacos, recolhidos nos seus lares onde ficavam pacientemente à espera da morte. Havia adolescentes que descobriam os primeiros trilhos do amor e do corpo, impulsionados pelas hormonas poderosas que os faziam desabotoar as calças em casas de banho públicas. Também havias homens e mulheres cheios de fé no amor, que construíam famílias estáveis, filhos saudáveis e casas com jardins relvados.
Um dia a luz de Lisboa deixou de ser dolorosa como naqueles sábados de manhã. Era uma luz branca que não feria, pelo contrário, fazia com que quiséssemos recomeçar, sem angústia e sem pressa. Cortei o cabelo. Deixou de ser longo; deixou de esconder as cicatrizes das costas. A cidade porém não desapareceu; tornou-se só mais pequena e menos confusa. Mas todos os dias o meu cabelo cresce mais um bocadinho e por isso eu sei que todos os dias nascem crianças perto da minha nuca e atrás das minhas orelhas há jovens que me sussurram palavras de amor e na minha testa acabam por morrer sempre três ou quatro velhos que sucumbem ao desalinho dos dias. Enquanto houver força nas minhas raízes para manter o meu cabelo, sei que a cidade permanecerá intacta bem como a esperança nos homens: a minha fé na humanidade.

Das coisas que já não me lembrava...

Os poemas ditos nos escuro sabem bem.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Passas pendentes

Olha que continuo sem saber. Continuo sem saber qual foi a minha resolução de ano novo. Estive numa casa estranha que em dois minutos passou a ser o quarto dos vizinhos. Fiquei a conhecer a humidade das paredes e tudo. Consigo descrever as ranhuras das janelas e no meio desta viagem mirabolante, devo ter-me esquecido de pedir os meus desejos. São doze, não é verdade? Parece-me só que deitei fora aquele peso idiota que guardei dentro da mala durante tanto tempo. Deitei o peso idiota para o lixo, nem sequer para a reciclagem porque isso era bom demais.
Não te vejo há muitos dias e nem sei quais foram os teus desejos para este ano. No fundo estou só à espera que voltes, só à espera que voltes para poder comer as passas que escondi dentro do bolso das calças que usei no dia 31.