quarta-feira, 10 de setembro de 2008

lisboa tem mais encanto na hora da despedida: os inevitáveis encontros de Maria e José

Um rendez-vous citadino. Sim, é esse o termo. Dois estranhos que desconhecem as combinações cosmológicas, uma cidade, um rendez-vous em potência. Sim, é esse o termo. Nas inevitabilidades da vidinha simples existe sempre um rendez-vous em potência. Os estranhos: dois estranhos perfeitamente vulgares: M (chamemos-lhe assim), visual hardcore, olhar angelical. J (chamemos-lhe também assim), visual desportivo, barba por fazer, 1,90m, olhar indefinido.
M e J acordaram desconhecendo a partida do cosmos: tudo se encaminhava, como qualquer coisa que é inevitável, para o acontecimento: O RENDEZ-VOUS ainda em potência, seria nesta altura do dia (provavelmente 9:40 da manhã) um pequeno embrião fecundado há escassas horas, ou seja, o resultado do amor fértil de dois seres embriagados pelo odor de uns lençóis amarrotados. M vive junto ao rio; é artista. J vive na Graça; empregado de restaurante.
O céu estava escuro. Manhã acinzentada lembrando mais Porto que Lisboa. M procurava unicamente inspirações para poder parir mais uma obra pós-moderna cheia de significados ocultos por uma linguagem intelectual e apupada (apupada era aliás uma palavra pela qual M nutria um grande carinho). J entrava no restaurante e procurava no cacifo comum o avental oleoso, que cheirava a batatas fritas e a cebola (cebola era aliás um vegetal pelo qual J nutria grande repulsa). M estava cheia sonhos, J perdera a vontade de sonhar. Nada faria acreditar que a distância geográfica e os objectivos díspares pudessem, de alguma forma, cruzar-se numa cidade tão cosmopolita e hoje tão cinzenta.
M passou horas a olhar para estranhos: nem as putas, nem o vinho verde a inspiraram. Não houve um olho que a inquietasse. J passou horas a olhar para estranhos: nem as putas nem o vinho verde o fizeram sentir-se menos oleoso. Não houve uma omelete que não ficasse queimada. Exaustos, mortos de fadiga, decidiram que a inevitabilidade que o tédio lhes oferecia estaria prestes a findar. M não regressou nessa noite ao seu minúsculo T1 com vista para um Tejo sujo e bafiento que pagava arduamente. J não regressou às suas àguas-furtadas centenárias onde chovia torrencialmente todos os Invernos. Tomaram a inevitável decisão de mudança: embuídos pela vontade de subversão, caminharam, ambos sem rumo concreto; esperavam o comboio na paragem do autocarro.
Rua estreia sentido único: M segue a nortada, J vem de oeste. Grande tumulto, a multidão circunda a rua onde vai ser parido o rendez-vous. Uma maçã rola sobre a estrada. M encontra o sentido poético que hoje lhe faltara tão claramente e que a conduzira para aquele sítio tão estranho, tão pouco íntimo: corre tentando apanhar a maçã. Tropeça. Cai. J está no meio da multidão. É esmagado pela maçã, em seguida esmagado por M. Grito. Comunicação visual impossível (gente demais). J estende o braço para apanhar os cacos de M.

-J: Estás suja...

(silêncio)

-M:Cheiras a cebola frita...

-J: Foi a coisa mais íntima que ouvi hoje.

O cosmos fizera a sua parte. O rendez-vous em potência funcionára. M e J terão de fazer o resto. É fácil chegar a Lisboa, ser recebido pela multidão. Pior é encontrar o caminho de volta para casa...

1 comentário:

Redondo disse...

- J: Vens?
- M: Onde?
- J: Não sei.
- M: Vou.