segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Daquilo que está para vir

Acreditando na insuficiência das palavras o corpo é muitas vezes o veículo revolucionário da acção. O corpo que simplesmente existindo procura o trajecto da secura, do esvaziamento, da exaustão e do êxtase. Procurar o corpo é também procurar o lugar onde encontramos o outro, aquele que fornece energia para a combustão. Não há lugares fáceis nem cómodos. Aqui, a regra, se a há, é a da ruína, a do perigo de obra que se decompõe. Narrativa? Uma história que se conta? Talvez. Porque a imagem terá a força do engenho explicativo das palavras, porque o non-sense ou o desejo de edificar abstractamente podem conduzir-nos à expressão máxima do despojamento e da agressividade.
A fragilidade do corpo e das estruturas enviam-nos para destroços de guerra, para sítios inacabados onde a imaginação não concluiu tarefas, para edifícios devolutos onde a memória impregnou marcas através do sangue dos que morreram e dos que ficaram para contar a história. hoje, não procuramos narrar um processo nem fazer uma viagem explicativa pelos meandros do pensamento que aqui nos conduziu. Vivemos também da sensação última e limite que nos provoca a experiência temporal e geográfica da partilha dum espaço comum. e neste caminho tantas foram as vezes em que o tempo e o espaço perderam o seu sentido mais imediato.
Assim se lançam as primeiras pedras para a construção de uma casa. Uma casa, literalmente, o sítio onde nos encontramos. e se construir uma casa for um gesto tão simples como o desejo de comunicar, chegar perto da verdade do espectador que inadvertidamente acabou enclausurado num teatro? Aqui procuramos a surpresa, o choque do confronto entre a identidade do intérprete e a identidade do espectador. Procuramos acima de tudo questionar o erro e assumi-lo. Procuramos sublinhá-lo. Procuramos o erro por si só. Correndo o risco da derradeira queda, do derradeiro fiasco, chegamos com a convicção última de acreditar no teatro como um espaço interventivo e urgente onde a mais premente razão de construir um objecto artístico é o valor humano de viver.

1 comentário:

Analice Leandro disse...

Escrever como quem constrói.Muito bom texto.
Parabéns!Volto para ler mais.