terça-feira, 25 de agosto de 2009

A ti, pássaro de voos.

A cara fazia lembrar os dias dos vinte anos. As mãos, porém, contavam outras histórias: como daquela vez em que o piano tocou durante seis dias sem parar. Os olhos faziam lembrar o maduro dos pessegos quando eram roubados às árvores. As mãos, porém, contavam outras histórias: como naquele dia em que a faca deslizou entre a primeira camada de pele e a veia que chegava ao pulso. Toda ela eram vinte anos, vinte anos de lábios e de caracóis amarrados em tiras de tecido esgaçado. As mãos, porém, contavam outras histórias: como um dia nos conhecemos quando éramos jovens e preguiçosas e o sol desenhava o contorno das nossas camisolinhas de alças por estarmos tantas horas no jardim.
Hei-de olhar para as tuas mãos até morreres. Embora saiba que vou morrer primeiro. Mas as tuas mãos pequenas, delicadas como seda, calejadas pelo trabalho nos hospitais cheios de velhos e de crianças moribundas são a memória mais viva, mais viva que conheço. Não há no mundo outras mãos que não as tuas, querida amiga, e ainda havemos de assinar em muitos caderninhas as aventuras que já foram os nossos tenros anos. Olho para ti e conhecço-te há mais de 20 anos, há bem mais. És aquilo que de mais intímo há no mundo. Quando ficas fora durante tantos anos, regressas e posso olhar-te como se o nosso encontro não tivesse sido interrompido por tantos comboios, tantos livros, tante gente diferente. Então, o amor é um lugar estranho. O nosso é eterno porque as tuas mãos Carolina, as tuas mãos são o que de mais intímo há no mundo.