quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

A menstruação


Olha, sabes quantas vezes me deitei sem boxers para poupar dinheiro na conta da àgua? Sabes quantas vezes não pus a máquina a lavar e trouxe comigo a mesma roupa suada e ensanguentada pela tua menstruação? Imaginas a quantidade de vezes que fiquei petrificado na rua à espera, sempre à espera de te ver chegar? Chovia sempre e nem as tempestades me demoviam da espera. Fazes ideia dos litros de vinho em que consporquei o meu fígado só para poder imaginar-te dançar? Não vivi durante oito anos porque sabia que acabarias por pegar nas armas e desaparecer. Amo-te como se ama a merda e não vale a pena ficares atordoada perante esta visão porque o meu amor é assim mesmo: visceral. Um intestino ou a luz das manhãs valem a mesma coisa e isso não tem nada de assustador. É simplesmente a consequência das minhas insónias acumuladas. Se o amor fosse um lugar-comum seria uma sajeta. Nunca tive nojos na vida. A carne pendurada no talho não me arrepia a espinha e quase sempre tenho a sensação de ser imune às doenças que causam asco. As minhas, não as recuso, são doenças da carne, sim da carne, mas que não se materializam em feridas abertas e torrentes de sangue. Dói-me aqui, no lugar que também foi a minha virgindade, no lugar onde reencontro os teus passos entrecortados e a vida presa por um cabo de aço. Não que isso a torne estável. O cabo de aço acabará por ceder como o meu estômago, como o meu cérebro e essa é a única certeza que me acompanha enquanto caminho para o desmembramento do corpo, para a angústia hipocondríaca da morte. Lambia os dedos se houvesse um açucareiro à mão, espetálos-ia no açucar e sugaria o doce pestilento que se mistura com o acre dos meus dedos. O limite entre querer morrer e a morte é mais ténue que a prostração que a solidão imprime nos músculos. Estar só é um acontecimento infeliz que nos permite uma certa acomodação, às vezes prazerosa. A vontade de morrer e a concretização dos desejos dissimula todas as acções vindouras a partir do instante da decisão. Se eu desejar morrer, agora mesmo, impelido pelo egoísmo mais atroz do mundo, poderia fazê-lo sem perigo de retaliações. Por outro lado, se decidir prostar-me só para a vida toda que se avizinha, o mais provável é que acorde com a casa coberta de ovos podres e três ou quatro crianças entoando jogos mórbidos acerca do menino que ficou perdido na floresta.
As urgências do Francisco

1 comentário:

sophiarui disse...

"o meu amor é assim mesmo: visceral."

abraço bom no teu coração linda