terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

A história que não sei contar ou o nascimento do verão em fevereiro

O Verão entrava precipitado pelas janelas em meados de Fevereiro. Coisa estranha naquele país. O calor fazia com que se guardassem os casacos quentes, as noites na varanda duravam até se anunciar a manhã. O vento na praia deixava de gretar os lábios e já os pés se despiam, prontos para reconhecer de novo a textura fria da areia. Também naquele Verão súbito foi tempo para o reencontro dos amantes. B. estava perdida; nunca lhe apetecera tanto morrer. Morrer de verdade, ficar com o sangue seco nas veias e doar os órgãos a quem tivesse mais apetite por dias quentes. V. continuava com os desejos amordaçados dentro de uma caixa: a prancha de surf nunca mais saíra do quarto, os livros continuavam a amontoar-se em cima da mesa, a cama não era feita nem desfeita, nínguem entrava nas suas mãos fazia já alguns anos. B. e V. eram, em termos simples, duas pessoas infelizes. Nada anunciára que o fossem até à chegada daquele verão prematuro. Juventudes felizes e nada problemáticas como acontece quando a adolescência e a puberdade se apoderam da razão, infâncias que trazem cheiro a torradas pela manhã e memórias de carnavais com pinturas na cara e tudo. Nada anunciára que pudessem ambos chegar a tamanho desconsolo. B. culpabilizava o frio pela sua tristeza, à falta de justificação mais plausível. Dormia demasiado vestia, cobria-se com mais de três mantas e gastava grande fatia do seu tenro ordenado em electricidade por causa dos aquecedores ligados horas a fio pela casa inteira. O frio deixara-a triste e mesmo quando o Verão decidiu anunciar-se antes do fim da gestação, B. continuou a ver-se forçada a vestir dois pares de collants. Para V. a tristeza era diferente: vinha de uns olhos que não encontravam sossego em nenhuma parte, de uma insatisfação que só agora conhecera. À sua volta havia sempre muitas garrafas vazias e muitos cinzeiros cheios. As noites eram quase sempre passadas em claro, remoendo as suas frustações que não eram assim tantas mas que engrandeciam a cada minuto em que o sono não chegava.

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