sábado, 29 de agosto de 2009

Aos remosos em noite de vinho

Estamos amarradas pela mesma noite em noites diferente.
No fim, ficou a culpa que não é nada. De quem é a culpa afinal? Minha? Minha?
Quero repetir a desgraça. Talvez seja esse o grande lugar do arrependimento.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

A ti, pássaro de voos.

A cara fazia lembrar os dias dos vinte anos. As mãos, porém, contavam outras histórias: como daquela vez em que o piano tocou durante seis dias sem parar. Os olhos faziam lembrar o maduro dos pessegos quando eram roubados às árvores. As mãos, porém, contavam outras histórias: como naquele dia em que a faca deslizou entre a primeira camada de pele e a veia que chegava ao pulso. Toda ela eram vinte anos, vinte anos de lábios e de caracóis amarrados em tiras de tecido esgaçado. As mãos, porém, contavam outras histórias: como um dia nos conhecemos quando éramos jovens e preguiçosas e o sol desenhava o contorno das nossas camisolinhas de alças por estarmos tantas horas no jardim.
Hei-de olhar para as tuas mãos até morreres. Embora saiba que vou morrer primeiro. Mas as tuas mãos pequenas, delicadas como seda, calejadas pelo trabalho nos hospitais cheios de velhos e de crianças moribundas são a memória mais viva, mais viva que conheço. Não há no mundo outras mãos que não as tuas, querida amiga, e ainda havemos de assinar em muitos caderninhas as aventuras que já foram os nossos tenros anos. Olho para ti e conhecço-te há mais de 20 anos, há bem mais. És aquilo que de mais intímo há no mundo. Quando ficas fora durante tantos anos, regressas e posso olhar-te como se o nosso encontro não tivesse sido interrompido por tantos comboios, tantos livros, tante gente diferente. Então, o amor é um lugar estranho. O nosso é eterno porque as tuas mãos Carolina, as tuas mãos são o que de mais intímo há no mundo.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Os dias da felicidade

30 vezes. 30 vezes 30 e não sei quantos ficaram de fora. 30 vezes 30 eram 300 há 3 dias. Fugir para onde? Não consigo parar de contar. Conto, conto os dias da exaustão. Tenho a boca seca e ainda falta muito para chegar ao fim. 30 vezes 30 são 300 de manhã. 300 copos de àgua para roubar à secura a persitência. 3 dias para 300 copos. 300 copos de àgua para depois passar por àgua e arrumar de novo. 3 horas para a tarefa. Volta e revolta aos copos cheios que agora estão vazios. 30 vezes 30 são cigarros para um dia. Cigarros a meio e copos para tapar a secura do amago na boca e das vezes, 300 as vezes, para contar. 30 vezes 30 são 300. Somando aos dias todos que tenho contado talvez sejam 300 mais 300 mas não sei quantos são porque a boca amarga, está seca e gretada. 3 minutos para pôr o creme que cobre as frechadas de sangue. 30 euros quanto gastei por contar à 3000 mil horas números que não passam disso mesmo. Estarei louca ou passei a noite a sonhar? 30 vezes 30 e estalei os dedos menos 3 vezes do que devia. As arteroses que terei aos 30 serão menores do que aquelas que terei aos 300. Aos 300 estarei enterrada na terra há pelo menos 30 vezes menos anos. 30 vezes 30 são as horas para pintar a sala de branco até doeram os ossos e os punhos não cerrarem. Quanto é 30 vezes 30? Perdi-me no raciocínio. 30 vezes 30 é o tempo que demoro a chegar de casa a casa. Não tenho casa, tenho casas e 300 horas é o tempo que demora a percorrê-las a todas. Perdi-me outra vez. 300 horas para chegar onde? Sim, a casa. 3 minutos é o que preciso para beber 30 copos de àgua, para tapar a secura das noites que gretam os lábios e os fazem sangrar. 30 vezes 30 dá 300, 300 menos 30 dá 3000, 3000 vezes 300 volto ao três. Três são as vezes que gritei contigo por deixares a tampa da sanita levantada. 3 cigarros restam para acabar o maço. 30 vezes 30 são as dores na cabeça que não deixam pensar. 30 vezes 30 são as vezes que ainda gritarei contigo por causa da tampa da sanita. 3000 vezes são aquelas em que não me curvarei perante o poder. Todos sem poder são menos 30 e assim seremos 3000 vezes 30 com mais poder. 300 é isso? 300 com poder? Ou seremos mais, mais loucos menos poder, mais loucos mais poder, 30% de poder e 3000 loucos poderosos. A sala está branca depois de tantas horas de trincha na mão. 3000 dias de poder para a ver assim. Sala sueca a 30 graus centígrados. 3000 são os dias que faltam para a pistola disparar. 30 balas são as que estão dentro da pistola. 1 pistola ou 30 pistolas? Perdi-me no raciocínio. 300 vezes foram aquelas em que trocámos beijos a aquecemos leite no microondas de manhã. 300 vezes as que fornicámos. 30 as que me lembro. 3 em que morremos. Menos 3 em que nos encontrámos. 30 cl de sangue foi o que doei para o teu transplante porque o fígado sucumbiu ao fim de 300 dias de cerveja. Menos 30 cl de sangue foi a consequência do teu devaneio. Não espero por ti, não mais 3 minutos - vida inteira à espera da tua chegada montado no tanque de guerra que sempre prometeste - 300 dias de promessas sobre a morte pela causa e a causa pela morte. O tanque, disseste, teria sido comprado há 300 anos e ainda assim foram precisos outros 300 para te ver chegar. Mas tu não vens - oh homem inflamado - tu não vens e a boca vai secando, vai secando pelos dias que passo a contar 300 vezes 300 vezes 300 para te ver cumprir com a promessa. Louco varrido corrompido pela promessa dos 3000 mil ano depois de Cristo. Dizam que ressuscitou ao terceiro dia. Se o matarem 300 vezes ressuscitará outras 300 sempre no terceiro dia depois da morte. Falaste tantas vezes da revolta, do tanque que conseguiste arrastar-me para a tua casa, onde fornicámos 300 dias sem parar. Depois, quando a manhã rompia o leite fervia no microondas por três minutos. Estarei louca ou passei a noite a sonhar. Conto vezes conto e chego sempre a 30 vezes 30, menos 300 dá 3000. Onde foi o começo da odisseia, desta aventura idiota? Mais 3 cigarros menos 3 no maço. Maço vazio. Vazio vezes nada dá 300. 300 vezes nada dá mais 30. Perdi-me no teu raciocínio. Não tenho nada, nem o tanque, nem a sanita, nem o teu mijo na tampa, nem o sémem que deixaste no meu útero nem o leite porque o vomitei 300 vezes. Detesto leite. Detesto leite vezes 30. Detesto leite vezes 30. Detesto leite vezes 300. Detesto-me menos do que ao leite, mas só menos 30 do que ao leite e isso dá 3000 vezes mais ódio do que aquilo que possas esperar. 30 vezes 30 são as vezes que conto as vezes dos 30 anos. Faltam 3 vezes 3 anos para chegar aos trinta. Isso faz com que tenha quantos, quantos anos? Diz-me se tens coragem para saltar desse tanque revolucio-imaginário que compraste há 300 anos. Não tenho nada para te dar, tenho 30 menos nada para te dar. Nem revolta, nem sonho nem desejo. 3000 vezes em que me roubaste a vontade de lutar. Lutar contra o poder que vezes 30 dá mais 30. Não espero mais, não espero nem mais 3 minutos para a tua chegada. Sem tanque, sem a boca seca porque bebi 3000 copos de àgua parto para 300 dias de caminhada só. Só com a revolta que prometeste há 3000 anos atrás. Estás morto e a morte é uma coisa rápida. Não és Cristo e por isso não ressuscitaste ao terceiro dia, nem ao triségimo. Estás morto, pronto. Estás morto - tu e a tua revolta. Ah, que incrível maravilha. Estás morto há 3000 anos. Há 3000 anos que te espero. E a boca seca, a boca seca porque não paro, não paro de contar. 30 vezes 30 são 300, 300 menos 30 são 3000. Ah, estás morto, pronto. Estás morto tu e a tua revolto. Não vou parar de contar. Conto vezes conto até serem 3000 as feridas na boca, 3 sangues os que se misturam nos lábios. Estás morto, pronto. Estás morto. E nem imaginas a felicidade que isso me causa...

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

A guerra (em crise) e os 1679 dias para o cessar fogo

Não. Decido não renunciar aos prazeres da carne. Que importa , que importa se as noites mal dormidas desregulam o pacífico decorrer das horas? Quando a humidade se entranha nos ossos, fico certa de que a vida existe naquele pátio e em nenhum outro lugar; num acaso que ainda agora me intriga, vejo-me nesse pátio, o cabelo húmido e os olhos sonolentos. Ao fundo aquela voz familiar que vagueia em recordações da infância. Já nesse mesmo dia me tinham dito que a infância era um lugar vazio e longínquo onde apenas ecoavam, espaçadamente, algumas memórias dos cheiros e da areia enfurecida pelos ventos de mar. Mas ali a infância era presente, e entre o desejo de ouvir a àgua cair naquela banheira ferrugenta ou de dormir até à hora em que as pessoas se agitam, desenhava-se uma linha muito ténue. A solidão já não é um lugar estranho e mesmo ali, naquele pátio vivo onde toda a vida se concentrava, dificilmente acreditei nos companheiros de viagem. A visão atordoada pelo vinho, pelo delírio da noite, pelo enfurecimento do cio traçava, como sempre, esse caminho solitário onde a voz parece rouca ; onde não há descanso para as mãos, onde o encontro insiste em mostrar-se impossível. Tudo isto dentro e fora de mim, mais a recorrente lembrança dos excessos em que não se pouparam os corpos e ainda assim só, profundamente só, entre a bebedeira e o descrétido, entre o sonho e o sexo. O cimento calejava a coluna porque o corpo acabaria por ir cedendo, lentamente à gravidade. Ali deitada, não consigo agora distinguir as coisas verdadeiras das falsas: as incríveis odisseias da imaginação e aqueles factos que ainda assim nos prendem à terra. A água corria como uma mulher louca e em momentos brevíssimos recordei o homem da maçã de adão que eu beijara com a língua, as guerras em tanques militares bem travadas por homens bravos, as balas perdidas, as espinguardas. Entrecortando as recordações, a voz longínqua do homem dizendo: por desinspiração artísticas declara-se o cancelamento deste indivíduo por tempo indefinido uma vez que em nada tem contribuído para o desenvolvimento da arte tendo antes sido uma objecção veemente a toda e qualquer produção artística profícua para a sociedade. Em crise. A crise. Crise geral, digo. Total e totalitária. Faltam ainda 1679 dias para o cessar fogo. Vieram decidios a matar e a morrer e aqui não há como escolher. Saltar para o tanque e esperar que as espinguardas fiquem vazias. São cinquenta as horas necessárias para a descoberta da verdade. Quais utopias, eu quero é ver o sangue, o nosso sangue a correr por esse amor apregoado. Ai! O delírio do vinho desfoca a imagem, o som da fonte ao longe, o discurso é metamorfose de alcool e desejo. Aqui e ali, mais recordações do amor e a voz incessante e ruidosa que insistia em discursos utópicos: partamos para a destruição do amor como o conhecemos; partamos para a destruição de tudo, procuremos o nada; que dái se reconstruam as casas, a memória e as culturas, que se atribua novo sentido à arte. Destruamos aquilo que foi mal edififcado, os canhões as balas as guerras por travar. E ali estava ele, em cima de um tanque de guerra com uma colher de pau na mão apregoando o amor, conquistando os ateus. Trazia um chapéu com rosas de papel vermelho e eram tão verdadeiras como o meu sangue. A fonte pinguava como o sangue da menstruação. Cá dentro ía doendo tudo. Quando finalmente sucumbia ao sono a lembrança dos 600 degraus até chegar a casa. As garrafas vazias não podiam ajudar ao equilíbrio. E no meio de tanta solidão, a descoberta da mão firme e viril que veio cobrir os dedos inertes pelo vinho. Abraços e mais abraços. Dois desejos cumpridos e uma moeda que não tornaremos a ver. Depois os outros, os que não estando lá eram afinal a fonte e o pátio. O sonho que não é utopia. Vieram com o vinho e por aqui ficaram. Os degraus e o vinho acabaram, a fonte já só se ouvia ao longe, menos um cêntimo na carteira. A crise da confusão do excesso e no fim da madrugada o encontro do batimento cardíaco justo e comum com as horas. A certeza de que o fogo não cessará enquanto o sonho não for cumprido. Na fonte, as garrafas vazias; o vinho no cimento.