sábado, 28 de fevereiro de 2009

O carácter passageiro do amor ou a conservação da antiguidade

É melhor assim, dizia ele. Aquelas palavras pareciam sopros distantes na minha cabeça. Um carro cheio de fumo, rua vazia, só três ou quatro carros se faziam sentir em minutos espaçados. É melhor assim, dizia ele como um eco. A sua insistência não parecia fazer diminuir a minha confusão. Melhor como, porquê? O que é que o fazia acreditar que doutra forma não poderia ser melhor do que aquela forma que ele imaginára? Melhor assim, mais simples, repetiu. Melhor para ti, pensei eu sem cessar. Melhor para ti, é isso. No meio do fumo vislumbrava a cor daqueles olhos que eram já família, iluminados pelos néons da rua. A sua simpatia parecia mudar, transfigurar-se a cada palavra. Não o reconheci durante muitos minutos. Que estranho era então aquele que ocupava um lugar centenário nas minhas raízes? Que estranho era aquele que parecia certeiro nos julgamentos que tecia sobre mim? Em remoinho constante, fazia força para me lembrar dos segundos em que o sublime se fizera sentir entre nós. As tardes passadas ao sol quando a juventudade parecia inofensiva, as conversas fiadas sobre a nostalgia, a serra de sintra mudando a cor das copas das àrvores a cada dia que passava, o nascimento da intimidade, os beijos, uns mais tímidos que outros. Aquele parecia ser o encontro do conforto, da paz, quando as bombas faziam rebentar casas pelo mundo inteiro. No meio da fumarada, voltei a ouvir "É melhor assim...". Despertei, certamente desgostosa com aquela decisão apressada tomada a meio da noite. Não fiz questão de salvar grande coisa: enquanto o carro ardia consumido pelo fumo dos cigarros, disse-lhe que apesar de tudo voltar para ele era como voltar a casa e que nos seus braços e abraços havia o feliz encontro do equilíbrio. Não pude, nem quiz forçá-lo a acreditar que as coisas seriam diferentes. As nossas muitas tentivas confirmavam o possível fracasso em que nos transformaríamos passados apenas alguns meses. Porém, isso não invalidava o meu amor de amiga e o meu esporádico amor de mulher. Adeus, disse-lhe. Subitamente senti os olhos encherem-se de lágrimas e reconheci a rotina a que me entregaria em poucos minutos: altas horas, vai a noite longa trepando o céu, a solidão da almofada, os pés frios e o choro interminável, que todos os dias chega e invade da mesma forma. O cansativo choro que me fez despedir já de tantas outras pessoas para além dele. Adeus, repito com secura. Não hesitei em abandonar o carro incendiado e sem olhar para trás, regressei ao já reconhecível desespero das noites em branco. Transformado num estrangeiro partiu, com a saudade inerente a qualquer partida. Gástamos as possibilidades em tentativas infantis e mesmo este reconhecimento, não fez de mim mais forte nem mais feliz. O Verão prematuro tivera o seu fim. Recomeçou a chuva que veio apenas anunciar mais uma morte nos meus ainda tenros arredores: não tinha nada mais para lhe dizer, não tínhamos mais nada para dizer um ao outro.

Adeus!

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

A história que não sei contar ou o nascimento do verão em fevereiro

O Verão entrava precipitado pelas janelas em meados de Fevereiro. Coisa estranha naquele país. O calor fazia com que se guardassem os casacos quentes, as noites na varanda duravam até se anunciar a manhã. O vento na praia deixava de gretar os lábios e já os pés se despiam, prontos para reconhecer de novo a textura fria da areia. Também naquele Verão súbito foi tempo para o reencontro dos amantes. B. estava perdida; nunca lhe apetecera tanto morrer. Morrer de verdade, ficar com o sangue seco nas veias e doar os órgãos a quem tivesse mais apetite por dias quentes. V. continuava com os desejos amordaçados dentro de uma caixa: a prancha de surf nunca mais saíra do quarto, os livros continuavam a amontoar-se em cima da mesa, a cama não era feita nem desfeita, nínguem entrava nas suas mãos fazia já alguns anos. B. e V. eram, em termos simples, duas pessoas infelizes. Nada anunciára que o fossem até à chegada daquele verão prematuro. Juventudes felizes e nada problemáticas como acontece quando a adolescência e a puberdade se apoderam da razão, infâncias que trazem cheiro a torradas pela manhã e memórias de carnavais com pinturas na cara e tudo. Nada anunciára que pudessem ambos chegar a tamanho desconsolo. B. culpabilizava o frio pela sua tristeza, à falta de justificação mais plausível. Dormia demasiado vestia, cobria-se com mais de três mantas e gastava grande fatia do seu tenro ordenado em electricidade por causa dos aquecedores ligados horas a fio pela casa inteira. O frio deixara-a triste e mesmo quando o Verão decidiu anunciar-se antes do fim da gestação, B. continuou a ver-se forçada a vestir dois pares de collants. Para V. a tristeza era diferente: vinha de uns olhos que não encontravam sossego em nenhuma parte, de uma insatisfação que só agora conhecera. À sua volta havia sempre muitas garrafas vazias e muitos cinzeiros cheios. As noites eram quase sempre passadas em claro, remoendo as suas frustações que não eram assim tantas mas que engrandeciam a cada minuto em que o sono não chegava.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

o sonho americano

I'm going to a town that has already been burnt down
I'm going to a place that has already been disgraced
I'm gonna see some folks who have already been let down
I'm so tired of America
I'm gonna make it up for all of The Sunday Times
I'm gonna make it up for all of the nursery rhymes
They never really seem to want to tell the truth
I'm so tired of you, America
Making my own way home, ain't gonna be alone
I've got a life to lead, America
I've got a life to lead
Tell me, do you really think you go to hell for having loved?
Tell me, enough of thinking everything that you've done is good
I really need to know, after soaking the body of Jesus Christ in blood
I'm so tired of America
I really need to know
I may just never see you again, or might as well
You took advantage of a world that loved you well
I'm going to a town that has already been burnt down
I'm so tired of you, America
Making my own way home, ain't gonna be alone
I've got a life to lead, America
I've got a life to lead
I got a soul to feed
I got a dream to heed
And that's all I need
Making my own way home, ain't gonna be alone
I'm going to a town
That has already been burnt down


Rufus Wainwright

sábado, 21 de fevereiro de 2009

a ciência dos meus sonhos


Se um dia eu desaparecer do país à beira mar plantado, é porque estou ali: no sítio cinzento rodeado de àgua...

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Memórias teatrais

Pillow man, Tiago Guedes

Cabo Verde, Teatro Meridional

Odisseia Cabisbaixa, António e Maria, Teatro da Garagem

Stabat Mater, Artistas Unidos


Platónov, Nuno Cardoso

Alma Grande, Teatro O Bando

A guerra, Pippo del Bono


Ensaio sobre a cegueira, Teatro o Bando