domingo, 28 de dezembro de 2008

Judith I, por Gustav Klimt ou a Salomé, de Oscar Wilde



Às vezes sinto-me capaz de matar um homem pelo amor que lhe tenho.
Como a Salomé fez com o Iokanaan.

A Torre de Babel segundo a minha visão depois de morta

Sempre fui um bocadinho megalómana. Construí uma enorme torre, estruturada, forte. Há cimento e vigas nas bases e tudo o que se vê é fruto do trabalho dos homens. A torre é firme e eu também a construí, também houve esforço das minhas mãos. Enchi a torre de homens, de mulheres, de crianças e velhos (pensei excluir os adolescentes por serem demasiado complexos). Enchi a torre de tudo o que cheirava a gente. Quando me apercebi eram milhares. Mais milhares chegavam todos os dias. Um dia percebi que ninguém falava a mesma língua e que, pouco a pouco, o caos ia encontrando o seu conforto dentro da torre. À minha volta começaram a morrer pessoas: algumas cegaram outras sucumbiram simplesmente à desordem. Tentei perguntar a um homem qual era o caminho que me podia levar dali para fora: não obtive resposta. Dentro da enorme torre estruturada começou uma guerra. Havia armas e feridos e sangue e cada vez eram menos os milhares que lá viviam. Agora, neste sítio onde estou já não há som: não se ouvem as metralhadoras nem os gritos das crianças chacinadas. No sítio onde estou consigo ver o resultado da minha obra: as pessoas morreram todas, a língua do acordo não foi encontrada. Acabou por apodrecer tudo, tudo o que vivia, menos a torre porque era firme, forte e estruturada e havia cimento e vigas nas bases que a prendiam ao chão.

sábado, 27 de dezembro de 2008

Parte III: (...)

As mensagens de Natal já não são o que eram.

Parte II: Mensagem recebida dia 25.12.2008 às 10h40

Desculpa... Enganei-me. Mas..., FELIZ NATAL!

Parte I: Mensagem recebida dia 25.12.2008 às 10h36m

Amo-te.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Anomalias: as mensagens de Natal já não são o que eram...

Há vários dias que ando preocupada com esta coisa da responsabilidade: é disso que me acusam; ela é responsável...demais. Responsável demais. Nunca acreditei que pudesse ser acusada deste crime, não porque não o cometa, simplesmente porque para mim, responsabilidade não era sinónimo de delito. Depois de meditar arduamente acerca desta temática percebi que tenho um lugar no banco dos réus: a responsabilidade tem aniquilado muitas coisas que poderiam acontecer se a preocupação em cumprir regras não fosse tanta. E pouco a pouco, vou percebendo que soltar um bocadinho as amarras só me fará bem, e até posso recusar cafés e tudo. Posso dizer que hoje não é o dia, e que amanhã continuarei sem vontade de sair do ninho que é a minha casa. Posso sempre inventar desculpas estapafúrdias como pequenas gripes para poder ficar mais duas horas na cama. E não tenho de me sentir culpada por não frequentar a única cadeira teórica que tenho este ano. Fiz sempre tudo certinho, foi sempre tudo muito perfeitinho: as prendas para os amigos, a letra, a roupa. As coisas comigo são impecáveis. E hoje sinto que preciso de me sujar: preciso de pôr as mãos na terra e ficar com as unhas castanhas, preciso de chegar amarrotada a uma festa ou dizer disparates aos amigos que conheço há anos. Preciso desesperadamente de cometer erros, chocar contra os objectos que estão no mesmo sítio desde que me lembro deles, ficar com nódoas negras tremendas nos sítios todos do corpo. Preciso de dizer as coisas que geralmente não digo e ficar aliviada. Preciso de preparar discursos muito estruturados no comboio para dizer a alguém e que os planos me saíam furados assim que abro a boca. Preciso de ficar a dançar sem dizer nada a nínguem. Planeio fugir durante uns dias e omitir a minha fuga: vou encontrar uma casa com lareira no meio das árvores e por lá ficarei enleada em prendas de natal e papéis para rabiscar as tristezas. Os últimos meses têm sido uma aventura, trabalho demais, durmo de menos. Confundo as coisas simples. Tenho-me sentido em estado de alerta, coberta de preocupação e responsabilidade. Hoje, sem mais nem menos, sinto-me mais levezinha e parece que posso voltar a arrumar o quarto que ficou caótico durante tanto tempo. Desconheço a forma como reorganizarei os objectos, tenho menos livros na prateleira e isso não me incomoda porque sei que estão em boas mãos. E sei que vou voltar a encontrar a minha casa, o meu porto, exactamente como o deixei há seis meses atrás. Sinto-me pronta e com algum egoísmo, não me apetece paz, nem nada dessas coisas natalícias. Para mim e para aqueles que me são queridos, só quero que possam arrumar as coisas no sítio onde pertencem. Quero que depois das grandes ventanias chegue a hora em que tudo se compõem, em que nos reconhecemos como antes. Quero que possamos encontrar aquela juventude inocente em que éramos felizes e despreocupados. Quero ter quinze anos tendo vinte. Quero beijinhos e depois beijos. Quero saber o caminho para casa. Desejo intimamente que saibam o vosso ou que o descubram. Eu tenho tudo dessarumado há demasiado tempo. Começam hoje as arrumações.

Feliz Natal

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Fiasco apresenta: Silêncio pós-secador

Não há nada de infértil neste nossa tentativa. Parece-me que demos à luz uma criança saudável. Acredito no fiasco que são as nossas incursões na criação e comove-me pensar que em poucas horas construímos um universo íntimo e poderoso. Ergo o meu copo de vinho estacionado na mesa de cabeceira e saúdo o nosso projecto: o primeiro de muitos.

Acima de tudo, Francisco, meu querido, obrigada, obrigada pela tua fé, pelo teu desafio.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Seis meses de faz-de-conta

A minha intenção não foi ser complicada. Queria as coisas como elas eram simplesmente, sem grandes histórias de amor ou heróis devassados pela fúria. Para mim, as coisas deviam ser só as coisas, porque geralmente isso é já suficiente para fazer o meu estômago doer menos. Passámos seis meses a brincar ao faz de conta, inventámos missões incríveis pelo espaço, a estrada pareceu estender-se sempre mais quilómetros quando viajámos de carro. Eu não estava à espera que aparecesses, muito menos que fizesses tanto barulho: eu tinha o quarto arrumado e os sapatos guardados dentro de caixas. Vieste tu, desarranjar as coisas simples da minha vida. A minha intenção não foi ser complicada, mas tu sabes como é, conheces-me desde que era uma criança: complico tudo! A tua mão, que poderia ser só a tua mão, é o consolo último que encontro antes da solidão. Se eu pudesse sufocar a tua mão, talvez o fizesse sem hesitar. É só porque sou complicada e nunca entendo muito bem os gestos com que me saúdas. Ás vezes és um estranho como outro qualquer, e isso torna-me simples perto de ti: não tenho medo de acariciar as tuas costas com as minhas unhas, muito menos tenho medo de saber que sou tua companheira, mesmo que não haja amor. O nosso amor é simples, é a consequência dos anos e da intimidade. Não é daqueles amores em que ficamos sem fôlego, não é um amor colossal, daqueles que nos fazem ser incompreensivelmente inocentes. É um amor simples e tosco que desconhece os trilhos do corpo, é um amor tosco de conversar sobre as coisas que não querem dizer nada, é um amor tosco de trocar beijos debaixo da mesa para ninguém ver. É um amor que não é maior que nada, nem me faz tremer, nem querer morrer que quero sempre quando as coisas se complicam. É só um amorzinho, um amorzinho tolo que martela, martela, martela no peito até não poder mais. É só um amorzinho afinal, um amorzinho de crianças que quando tinham quinze anos esperavam tudo dos outros e de si mesmas. Eu não quero morrer por ti, não quero sofrer pelo desamor, não quero amuar porque não olhas para mim ou porque não me encontras nos corredores. Afinal o meu amor é pequenino e simples, é só um amor que vem do tempo, dos anos, dos seis meses em que brincámos ao faz de conta.
Desculpa, desculpa se complico tudo.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Remorsos pós-destruição

Ter o coração na boca nem sempre é bom. Viva o silêncio. Obrigada!

Destruição das técnicas

Amo-te.

Técnicas para resistir aos olhos

Tenho de te dizer: não vale a pena romancear, ambos sabemos quais foram os motivos que nos trouxeram até aqui!

Técnicas para resistir ao desamor

Tenho de te dizer: hoje não, hoje não vou contigo!

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

A menstruação


Olha, sabes quantas vezes me deitei sem boxers para poupar dinheiro na conta da àgua? Sabes quantas vezes não pus a máquina a lavar e trouxe comigo a mesma roupa suada e ensanguentada pela tua menstruação? Imaginas a quantidade de vezes que fiquei petrificado na rua à espera, sempre à espera de te ver chegar? Chovia sempre e nem as tempestades me demoviam da espera. Fazes ideia dos litros de vinho em que consporquei o meu fígado só para poder imaginar-te dançar? Não vivi durante oito anos porque sabia que acabarias por pegar nas armas e desaparecer. Amo-te como se ama a merda e não vale a pena ficares atordoada perante esta visão porque o meu amor é assim mesmo: visceral. Um intestino ou a luz das manhãs valem a mesma coisa e isso não tem nada de assustador. É simplesmente a consequência das minhas insónias acumuladas. Se o amor fosse um lugar-comum seria uma sajeta. Nunca tive nojos na vida. A carne pendurada no talho não me arrepia a espinha e quase sempre tenho a sensação de ser imune às doenças que causam asco. As minhas, não as recuso, são doenças da carne, sim da carne, mas que não se materializam em feridas abertas e torrentes de sangue. Dói-me aqui, no lugar que também foi a minha virgindade, no lugar onde reencontro os teus passos entrecortados e a vida presa por um cabo de aço. Não que isso a torne estável. O cabo de aço acabará por ceder como o meu estômago, como o meu cérebro e essa é a única certeza que me acompanha enquanto caminho para o desmembramento do corpo, para a angústia hipocondríaca da morte. Lambia os dedos se houvesse um açucareiro à mão, espetálos-ia no açucar e sugaria o doce pestilento que se mistura com o acre dos meus dedos. O limite entre querer morrer e a morte é mais ténue que a prostração que a solidão imprime nos músculos. Estar só é um acontecimento infeliz que nos permite uma certa acomodação, às vezes prazerosa. A vontade de morrer e a concretização dos desejos dissimula todas as acções vindouras a partir do instante da decisão. Se eu desejar morrer, agora mesmo, impelido pelo egoísmo mais atroz do mundo, poderia fazê-lo sem perigo de retaliações. Por outro lado, se decidir prostar-me só para a vida toda que se avizinha, o mais provável é que acorde com a casa coberta de ovos podres e três ou quatro crianças entoando jogos mórbidos acerca do menino que ficou perdido na floresta.
As urgências do Francisco